quarta-feira, 19 de novembro de 2025

O homem que traiu a máfia e conseguiu sobreviver

] Transcendendo os limites de um simples documentário, o longaO Traidor (Il Traditore) acompanha a trajetória de Tommaso Buscetta (Pierfrancesco Favino), mafioso siciliano que, após ser preso no Brasil nos anos 1980, decide colaborar com a Justiça italiana. Ele rompe um código de silêncio omertá, em que se paga com a morte, tornando-se o primeiro grande delator da Cosa Nostra, o que resultou na prisão e condenação de mais de três centenas de integrantes da organização criminosa italiana. O cineasta Marco Bellocchio articula a história com uma estética que remete ao clássico O Poderoso Chefão, mas evita a glamorização do crime, optando do mostrar a máfia em sua brutalidade, sem o verniz romântico. Ele também denuncia a tortura de Buscetta por policiais brasileiros que efetuaram a sua prisão no Rio de Janeiro, onde vivia com a segunda mulher Maria (Maria Fernanda Cândido). A montagem paralela entre assassinatos na Sicília e um batizado no Rio de Janeiro é um dos momentos mais emblemáticos, contrapondo sacro e profano, vida e morte, numa sequência similar a um dos filmes da série O Poderoso Chefão. O filme ganha relevância para o público brasileiro ao incluir cenas rodadas no Rio de Janeiro, onde Buscetta viveu parte de sua trajetória criminosa e montou toda uma rede de proteção. Cabe observar, que no ano da sua prisão foi preso em Itabuna um sicário da máfia, que vivia modestamente como dono de um pequeno bar anexo a um posto de gasolina na avenida Amélia Amado, esta história não consta do roteiro do mfilme e o fato é que essa ambientação reforça a dimensão transnacional da máfia, como suas ramificações se estendiam para além da Europa, chegando a cidades do interior do Brasil. O ator Pierfrancesco Favino, ganhador do prêmio italiano David di Donatello como Melhor Ator, tem uma atuação primorosa, captando as ambiguidades de Buscetta: um homem dividido entre o código de honra mafioso e a necessidade de sobrevivência de quem viu a morte de filhos, parentes e protegidos. Ele também diferencia nos seus depoimentos ao juiz Giovanni Falcone (Fauto Russo Alesi) a entrega de informações criminosas, sem entrar nos aspectos familiares de cada um dos denunciados. “O Traidor” não é apenas um filme sobre crime organizado; é uma reflexão sobre uma questão ética e moral, ou seja, a traição como ato político e uma questão de sobrevivência para salvar os seus familiares ameaçados pela Máfia. Assim, Buscetta não trai apenas seus comparsas, mas também a própria ideia de silêncio que sustentava a máfia como organização criminosa. Ao expor os bastidores da Cosa Nostra, o longa revela como o poder se constrói e se desmorona diante da palavra ou da revolta do seus integrantes, fazendo tudo cair como um castelo de cartas. O filme se destaca por sua sobriedade estética, evitando o espetáculo fácil da violência pela violência, e por sua capacidade de transformar uma história particular em metáfora universal sobre memória, justiça e identidade. Bellocchio nos lembra que a máfia não é apenas um fenômeno criminoso, mas um espelho distorcido das estruturas de poder que permeiam sociedades inclusive o Brasil com as suas facções que hoje ganham dimensão nacional e internacional, com a expansão dos seus raios de atuação e tentáculos permeados nos vários escalões do poder. En síntese, “O Traidor” mostra que o crime não compensa até certo ponto. A trajetória de Tommaso Buscetta evidencia que a vida na máfia cobra um preço altíssimo, com a perda da família, exílio, medo constante e a necessidade de trair o próprio código de silêncio para sobreviver. O fato positivo é que ele morreu em casa de um ataque cardíaco e não nas mãos de pistoleiros ou sicários que vestidos de Papai Noel o intimidaram numa casa noturna nos Estados Unidos onde passou a viver com a família e depois sem ela, mas de onde saiu para prestar novos depoimentos e acareações. Como tudo é transitório fica a lição que dinheiro e o status conquistados pela máfia são efêmeros, além disso a violência destrói laços familiares e comunitários. Já a delação, embora traga algum senso de justiça, não apaga as perdas pessoais e materiais , dessa forma “O Traidor” é uma obra que funciona como alerta ético e moral, mostrando que poder e riqueza obtidos pelo crime vêm acompanhados de paranoia, solidão e tragédia, uma vez que a glória do mundo é simplesmente passageira. (Kleber Torres) Ficha Técnica: Título : Il Traditore / O Traidor Direção: Marco Bellocchio Roteiro: Marco Bellocchio, Ludovica Rampoldi, Valia Santella, Francesco Piccolo, entre outros Elenco : Pierfrancesco Favino, Maria Fernanda Cândido, Fabrizio Ferracane, Fausto Russo Alesi , Luigi Lo Cascio, Nicola Calì e Goffredo Bruno Direção de Fotografia: Vladan Radovic Montagem: Francesca Calvelli Trilha Sonora: Nicola Piovani Direção de Arte: Andrea Castorina Figurino: Daria Calvelli Duração: 145–153 minutos Gênero: Biografia, Drama, Policial Países de Origem: Itália, França, Alemanha, Brasil Ano : 2019

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Um instrumento denúncia para evitar o esquecimento da morte

No mesmo período em que ganhou repercussão internacional o confronto no Rio de Janeiro entre policiais e narcoterroristas que resultou em 121 mortes, inclusive a de quatro policiais, com a apreensão de quase 100 fuzis, em outubro de 2025, a HBO exibiu o documentário Antes que nos esqueçam(Antes de que nos olviden), dirigido por Matías Gueilburt. O filme aborda jornalisticamente a escalada da violência e da guerra às drogas no México, com registro de 121.683 mortes violentas nos seis anos da gestão do presidente Felipe Calderon, no período entre 2006 e 2012. Com o mesmo título de uma canção de Alfonso Hernandez Estrada, o filme estreou em 2014 e tem cerca de 84 minutos, com o resgate de imagens e depoimentos diversos. Ele adota um tom de um ensaio jornalístico direto e informativo que busca tanto relatar quanto refletir sobre as causas e consequências da violência através de depoimentos de jornalistas, escritores, artistas e familiares da vítimas, com o objetivo de construir um panorama humano e político do conflito que se revelou uma tragédia letal por envolver policiais, milicianos e narcotraficantes em milhares de assassinatos num verdadeiro ciclo de violência, impunidade e terror. Além de mostrar o narcotráfico como uma estrutura montada numa espécie de economia paralela para lavagem de dinheiro através de empresas de fachada, a escolha de vozes de jornalistas experientes, escritores e figuras pública cria um contraponto entre análise crítica e testemunho emotivo. Isso dá ao filme credibilidade investigativa sem perder o foco da dimensão humana do problema, além de ao mesmo tempo revelar que a banalização da violência e a forma como instituições políticas, impunidade e interesses econômicos alimentam o ciclo de conflito eliminando de certa forma a própria identidade de uma nação. Como documento sobre a violência mexicana, Antes que nos esqueçam funciona bem como peça de conscientização política e como recurso para debates públicos e acadêmicos. Sua força maior é humanizar estatísticas e lembrar ao espectador da dimensão historica do conflito. As ações mobilizaram na época um contigente de 45 mil soldadados, com o registro de 10 mil sequestros, 92 mil assassinatos, 26 mil desaparecimentos de vítimas, o que forçou 250 mil pessoas a abandonarem as cidades ou bairros onde viviam, que acabaram esvaziados com um monte de habitações e veículos abandonados. Uma outra face dessa escalada, é que a Ciudad Juarez, com 2,6 milhões de habitantes e um das maiores centros urbanos do México, registrou em 2010 nada menos que 3.622 assassinatos enquanto El Paso, com 680 mil habitantes, no outro lado na fronteira do Texas, nos Estados Unidos, contabilizava apenas cinco assassinatos. A mulher de uma das vítimas conta desolada que mora no quarteirão das viúvas, num bairro onde a maioria dos homens foram assassinados numa guerra marcada por uma violência brutal, que se espalhou através das diversas províncias mexicanas. No filme fica a constatação que o tabu de sangue e homicídio é rompido quando se quebram os vínculos entre governo e a sociedade, o que levou os roteiristas a comparar a escalada letal de violência com as do período da revolução mexicana, no início do século XX, quando Emiliano Zapata e Pancho Villa lideraram a luta contra a ditadura de Porfírio Diaz, em defesa de reformas sociais. Antes que nos esqueçam evidencia tama relação promíscua entre autoridades do governo e traficantes ou grupos paramilitares, além de crimes cometidos também por agentes do governo extrapolando os limites da repressão ou para obtenção de lucros pessoais. Já o colapso das forças governistas no enfrentamento do crime organizado fica evidenciado no filme, com o registro de 7.775 denúncias contra integrantes das Forças Armadas envolvidas no confronto contra traficantes e paramilitares. A violação de direitos humanos também acabou respingando na imagem do próprio exército mexicano. Outra evidência é de que não adianta simplesmente, matar ou prender lideranças das orcrims, pois na suas escalas imediatamente inferiores existem outros cinco elementos capacitados para substituí-los e manter a continuidade das operações dos grupos criminosos e facções. Num dos depoimentos, um dos familiares de vítimas confessou desolado que todos estavam abandonados e desamparados. Já o presidente Felipe Calderon considerou as 100 mil mortes durante o seu perído de governo como efeitos colateirais do processo. Neste mesmo período os Estados Unidos estavam infestados de drogas, um negócio lucrativo, que movimenta nada menos que US$ 50 bilhões de dólares por ano. Em síntese, Antes que nos esqueçam é importante para quem quer entender como memórias, impunidade e violência se entrelaçam na contemporaneidade mexicana e como o processo passa a ser assimilado pelos pessoas, confundindo-se como parte da sua cultura ou mesmo do destino. O filme termina com o chamamento dos nomes dos mortos presentes nas memórias dos entes queridos e que temporariamente restaram esperando pelo menos, que repousem em paz. (Kleber Torres) Ficha técnica Título original: Antes De Que Nos Olviden /Antes Que Nos Esqueçam Direção: Matías Gueilburt Roteiro: Tamara Florin, Matías Gueilburt, Pablo Galfre Participações: Paco Ignacio Taibo II; Marcela Turati; Jacobo Zabludovsky; Demián Bichir; Jorge Hernández (Los Tigres del Norte) e depoimentos de jornalistas, escritores e familiares de vítimas Ano: 2014 Duração: 84 minutos. País de origem: México Gênero: Documentário.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Uma terra de ninguém sem placa, polícia ou coleta de lixo

A primeira lição do documentário "Depois da Verdade — Desinformação e o Custo das Fake News" é que ”não acredite em nada que você ouve e somente na metade do que você vê” e que não existe mais verdade, mas verdades e narrativas que podem ser conflitantes, mas nem sempre racionais. Tendo como referência casos concretos de desinformação e até de um assassinato, o filme envolve uma tentativa jornalística para mapear a cadeia de produção, circulação, efeitos das notícias falsas e seus riscos para a democracia. O documentário mostra ainda períodos em que a desinformação ganhou vida própria e como passou a influenciar ações do público, gerando mobilizações ou com impacto através da violência e da polarização política. O diretor Andrew Rossi promove uma investigação sobre fake news, alternando depoimentos, imagens de arquivo e revelando casos como o da operação Jade Helm, das forças armadas em quatro estados americanos, tendo como base Bastrop, no Texas, e que virou uma fake news sobre a suposta criação de campos de concentração para prender opositores de Barack Obama, em 2015 ou ainda o caso da pizzaria Comet, o Pizzagate, que ganhou repercussão através de boatos sobre pedofilia, o que gerou ameaças de morte aos proprietários e respectivos empregados. A desinformação chegou a um ponto que um homem invadiu o estabelecimento armado de fuzil para tentar liberar crianças supostamente em cativeiro, mas acabou contido pela polícia. O filme revela imagens da profissionalização da mentira através dos mais diversos atores, o que envolve desde agências digitais para a produção de notícias falsas em campanhas políticas até grupos ideológicos de direita e esquerda, além de operadores como Jack Buckan, que admite usar fake news através da exposição de tudo sobre os possíveis adversários, deixando o resto para o público julgar. O ponto em comum nestes processos é que todos eles convergem para um ecossistema que transforma boatos em verdades aceitas e divulgadas maciçamente através das redes sociais e plataformas. Já a investigação em torno do assassinato de Seth Rich, integrante do Comite Nacional dos Democratas, num aparente assalto, evidencia como teorias conspiratórias extrapolam os amplos limites das fronteiras digitais e ecoam no mundo real. O crime se desdobrou em mais outras vertentes com boatos de uma operação financiada pelos russos aliados à direita americana ou ainda consequência de uma dissidência entre a vítima e Hilary Clinton, candidata à presidência dos Estados Unidos e que teve seus e-mails pessoais vazados. A evidência que fica é de que hoje as pessoas não conseguem distinguir as notíciais factuais em especial quando elas chegam online pelos canais digitais. O sistema envolve desde criadores de conteúdo inescrupulosos até as plataformas que monetizam o alcance através de um sistema lucrativo de impulsionamento de informações e produtos. O documentária tenta revelar os mecanismos algorítmicos e econômicos que amplificam a mentira, mostrando também as falhas legais, institucionais e lacunas regulatórias que permitem a circulação das fake news. Embora centrado na realidade dos Estados Unidos e na década passada, o problema da desinformação não está restrito à realidade americana, mas extrapola este limites políticos e geográficos para assumir uma dimensão global e que chega a todo momento às pessoas numa espécie de banho de lixo ou jogando merda pelo ventilador através da internet. Ha ainda referências a um projeto no Alabama em que grupos de esquerda se fingiam de conservadores produzindo informações e notícias para minar os eleitores de um candidato Repúblicano. “Depois da Verdade" alerta e orienta o espectador sobre os perigos de um período em que a verdade se tornou relativa e em que os fatos objetivos têm menos influência na formação da opinião pública dos que os apelos a emoções e crenças pessoais, o que é agravado com a geração de imagens e vozes falsas com uso da inteligência artficial. O que ele não revela são as consequências das fake news, com seu teor explosivo e potencialmente ameaçador para a vida democrática ou para a instauração de regimes autoritários afetando até mesmo para credibilidade da própria mídia, que foi acusada no filme pelo presidente Trump, ainda no seu primeiro mandato no filme, como geradora de notícias falsas e os seus seguidores tratavam os jornalistas como idiotas. Neste contexto, a internet é vista metaforicamente como uma terra sem fronteiras, sem placas, sem polícia ou coleta de lixo. (Kleber Torres) Ficha Técnica Título original After Truth: Disinformation and the Cost of Fake News / Depois da Verdade: Desinformação e o Custo das Fake News Direção Andrew Rossi Gênero Documentário Ano de produção 2020 País de origem Estados Unidos Duração 95 minutos Distribuição HBO Participações Donald Trump , Hillary Clinton

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

O eterno duelo entre o bem e o mal através da ciência e da fé

O eterno duelo entre o bem e o mal através da ciência e da fé Considerado um cult movie, “Fausto – um conto popular alemão” (1926), de Friedrich Wilhelm Murnau, um dos maiores realizadores do cinema mudo e um dos expoentes do expressionismo, transforma a lendária disputa entre o bem e o mal numa parábola visual que unifica mito, religiosidade popular e espetáculo cinematográfico ensinando que o maior milagre é a liberdade do homem. O filme é um clássico na história do cinema e equilibra um roteiro de tom trágico com invenções formais que ampliam o poder expressivo do cinema mudo, oferecendo uma leitura onde a dimensão moral e bíblica atravessa cada opção estética complementadas com utilização de efeitos especiais e cortes sequenciais. O roteiro adapta múltiplas fontes da lenda de Fausto, organizando a ação em episódios claramente demarcados que vão da provação coletiva, com a eclosão de uma peste mortal e o sofrimento dos personagens até a tentação individual a partir da constatação de que ninguém pode resistir ao mal e ao desfecho redentor através do amor e do perdão. A progressão é episódica, quase teatral, privilegiando sequências intercaladas que intensificam o caráter mítico da trama. Fausto (Gösta Ekman) funciona como protótipo do sábio devotado ao saber que se vê testado pela impotência diante do sofrimento da população numa epidemia letal e acaba cedendo à tentação de Mefistófeles (Emil Jannings), que encarna diabolicamente a voz do cinismo e da sedução. O conflito moral é tratado como aposta cósmica, o que amplia a dimensão simbólica dos atos dos personagens a partir da dúvida religiosa, da crise entre razão e fé, da corrupção por desejo de poder ou da volta à juventude, enquanto a possibilidade de redenção atravessa transversalmente o roteiro. O filme também embute uma crítica social implícita, quando a comunidade reage ao milagre, aos crimes e ao estigma do pacto, mostrando como o coletivo julga e exclui através de sanções sociais. Murnau, que morreu ainda jovem aos 42 anos num acidente automobilístico nos Estados Unidos, explora com profundidade o tema, construindo camadas e enquadramentos dinâmicos para transformar cenários em estados de alma. Movimentos de câmera e composições diagonais criam tensão moral e psicológica que envolve aos personagens com dramaticidade. Alternância entre planos largos de plateia/aldeia e closes dramáticos intensifica a dimensão épica da obra, sem perder a intimidade do drama. A montagem episódica reforça o caráter folclórico e ritual do conto popular eternizado por Goethe através da literatura. Os críticos especializados consideram que Murnau integra efeitos, cenografia e performance coreografada com uma unidade expressiva rara para a época, antevendo o cinema como arte total e multimídia. Tecnicamente, o filme emprega miniaturas, matte paintings, sobreposições e exposições duplas para criar aparições demoníacas, transformações físicas e panoramas sobrenaturais, gerando tensão e suspense. Esses recursos são usados de forma dramática, não apenas espetacular, para materializar a tentação e o sobrenatural, como ocorre com a transformação de Fausto na sua volta à juventude ou após o rompimento do pacto com Mefistófeles, bem como nas cenas da peste e as manifestações infernais que não aparecem como meros truques, mas pontos de virada psicológica e moral dos personagens. Assim, os efeitos se harmonizam com a atuação expressionista e a iluminação contrastada, criando estados visuais que comunicam corrupção, delírio e redenção. Como resultado, Murnau converte debate teológico e citações biblicas em imagens expressivas onde o mal aparece como sedução performática e cenário alterado; o bem se manifesta em gestos de sacrifício e na presença do arcanjo até o enfrentamento final com Mefistófeles. A tensão entre responsabilidade ética e desejo pessoal é dramatizada em cada decisão de Fausto que se apaixona perdidamente por Gretchen (Camilla Horn). O filme evita soluções simplistas; a salvação é representada como resultado de luta moral e intervenção transcendente ao mesmo tempo. Essa ambiguidade dá à obra uma força dramática duradoura que a fez prevalecer ao longo tempo. Fausto é uma síntese magistral do cinema expressionista alemão e do empreendimento narrativo de Murnau num roteiro que transforma mito em crise contemporânea, o que envolve avanços da ciência e inovações técnicas voltadas ao sentido dramático, enquanto os efeitos especiais que servem a emoção e a uma cenografia que pensa o mundo como conflito moral. O resultado é um filme que continua a funcionar como estudo sobre tentação, culpa, redenção e fé, revelando a demonstração do potencial do cinema para representar abstracções éticas por meios puramente visuais ou estéticos, ensinando ao mesmo tempo que a morte está à mercê de todos e a vida é transitória apesar das tentações cotidianas que aparecem.(Kleber Torres) Ficha técnica • Título original: Faust — Eine deutsche Volkssage (Fausto – um conto popular alemão) • Direção: F. W. Murnau • Roteiro: Hans Kayser e Gerhart Hauptmann inspirado na lenda de Fausto e na obra de Johann Wolfgang von Goethe • Elenco: Emil Jannings (Mefistófeles); Gösta Ekman (Fausto); Camilla Horn (Gretchen); Frida Richard; William Dieterle; Yvette Guilbert; Eric Barclay • Fotografia: Carl Hoffmann • Gênero: Drama / Fantasia / Terror • País: Alemanha • Duração: 116 minutos. • Ano de produção: 19261 • Produtora: UFA (Universum Film AG) • Idioma: Filme mudo com intertítulos em alemão

terça-feira, 16 de setembro de 2025

A busca de um espelho que reflete a essência da alma humana

Diferentemente de “2001 - Odisséia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick, quetem como referência o espaço e o tempo como caminhos para o conhecimento, o filme "Solaris"(1972), dirigido por Andrei Tarkovsky, é também uma obra-prima da ficção científica com forte carga filosófica e emocional, levando o espectador uma profunda reflexão sobre o homem e a própria existência através de um jogo espelhos. Os dois filmes produzidos numa mesma época, também têm como cenários similares o espaço curvo, iluminado e asséptico das naves espaciais. Tudo começa quando o psicólogo Kris Kelvin (Donatas Banionis) é enviado a uma estação espacial que orbita o misterioso planeta Solaris, com a missão de avaliar após uma série de incidentes, o estado mental dos cientistas que ali trabalham. Ao chegar, ele descobre que um dos tripulantes cometeu suicídio, após deixar uma gravação em vídeo sobre o que estava ocorrendo na nave espacial e os outros dois estão à beira da loucura, com equipamentos desativados, um deles escondendo uma criança que mantém afastada dos outros tripulantes. O planeta Solaris, coberto por um oceano aparentemente consciente, começa a materializar figuras humanas extraídas das memórias mais profundas dos astronautas, inclusive Hari(Natalya Bondarchuk), a esposa falecida de Kelvin, que aparece viva na estação. Esse momento revela o conflito entre razão e emoção, pois mesmo sabendo que Hari é uma materialização gerada por Solaris, Kelvin se vê emocionalmente envolvido, questionando o que define o amor e a identidade ao declarar : “Ela não é Hari. Ela é uma construção. Mas eu a amo,” para concluir que se ela é uma ilusão, ele igualmente o seria. O filme representa um mergulho nas complexidades da mente humana e das relações sociais, explorando temas como culpa, luto, amor e a impossibilidade de compreender o desconhecido. Tarkovsky usa a ficção científica não para mostrar tecnologia, mas para investigar a alma a partir de um viés filosófico e literário que se justifica nas cenas da biblioteca da estação espacial, como também na casa de um dos personagens em terra onde há livros em profusão. Há quem considere o filme com 166 minutos de duração uma meditação cinematográfica sobre a condição humana e na cena antológica da biblioteca onde há uma citação sobre “o homem precisa de homem,” fica expressa a ideia de que, diante do desconhecido, o ser humano busca conexão, não com o cosmos, mas com outros seres humanos. A sequência é reforçada pela imagem de D. Quixote, personagem literário que lutou contra moinhos de vento num hiato entre a razão e a loucura. Enquanto Tarkovsky questiona se a consciência artificial pode ter alma ou, se somos apenas projeções de nossas emoções. Uma das frases mais associadas ao filme destaca que “não precisamos de outros mundos, precisamos de espelhos,” revelando que a questão é explorar o espaço, mas o interior humano com toda a sua complexidade. Kelvin também faz referência ao fato de que perdemos a nossa percepção do cosmos e complementa lembrando que “o sentido da vida e outros temas pouco preocupam ao homem feliz” Ao transformar a ficção científica em poesia filosófica Tarkovsky coloca em questão problemas que preocuparam a Dostoiévski e a Nietzsche, que desconfiava da pretensão da ciência de explicar tudo racionalmente e buscava uma dimensão estética entre o apolíneo e o dionisíaco. Em Solaris, o planeta desafia qualquer tentativa de compreensão lógica, expondo os limites da ciência diante do mistério e do irracional, algo que Nietzsche também abordava ao valorizar o instinto e o inconsciente e a capacidade de superação do homem através de um Super-homem. Em paralelo, a repetição das aparições de Hari pode ser vista como uma forma de "eterno retorno" emocional e Kris é forçado a reviver sua culpa e dor, confrontando o passado de forma cíclica e inevitável. O personagem considera que o sofrimento sombreia a vida e nos enche de ssuspeitas até mesmo talvez sobre a realidade objetiva, afinal o homem segundo ele, ama o que pode perder. Embora Tarkovsky não fale em “Übermensch”, o Super-homem, o filme sugere que o confronto com Solaris exige uma transformação interior, uma superação da condição humana limitada, algo que Nietzsche também propunha como caminho para transcender o niilismo. Já a questão do espelho remete à ideia nietzscheana de que a verdade não é algo externo a ser descoberto, mas sim uma construção humana, muitas vezes um reflexo de nossos próprios desejos e medos das pessoas. O próprio escritor Stanisław Lem, autor do livro original que resultou no roteiro do filme, considera que Tarkovsky desviou da proposta científica e filosófica do romance para criar algo mais introspectivo e espiritual. Para ele, o cineasta fez “Crime e Castigo” em vez de Solaris. Isso também aproxima o filme de Dostoiévski, outro pensador que influenciou Nietzsche profundamente. numa obra que dialoga com o niilismo, a introspecção e a crítica à razão, todos temas caros ao pensador alemão. Tarkovsky leva ao filme uma espiritualidade que lembra o misticismo russo presente em Dostoiévski. A ideia de que o ser humano precisa se reconciliar com sua alma, e que o amor pode ser redentor mesmo diante do absurdo, é uma ponte direta entre os dois autores. Tarkovsky, que morreu em 1986, aos 54 anos e se consagrou com um dos mais influentes cineastas russos, chegou a dizer que queria fazer filmes que falassem à alma, não apenas à razão. Em Solaris, ele transforma a ficção científica em um espelho da própria alma humana e ensina que a felicidade é um conceito antiquado, pois a verdade não é objetiva, mas uma construção humana. Ao mesmo tempo confronta a condição dos personagens ao cenário das conquistas espaciais ou de cidades modernas com grandes edifícios e estradas e avenidas sem fim até chegar ao campo com seus rios e lagos, o que leva o espectador a indagar: seria o final da busca de um espelho que reflete a essência da alma humana ou não? (Kleber Torres) Ficha Técnica Elemento Detalhes Título original: Солярис (Solyaris) Direção: Andrei Tarkovsky Roteiro: Andrei Tarkovsky e Fridrikh Gorenshtein, baseado no romance de Stanisław Lem Elenco: Donatas Banionis, Natalya Bondarchuk, Jüri Järvet (Snaut), Anatoli Solonitsyn (Sartorius) Trilha sonora: Eduard Artemyev Direção de arte: Mikhail Romadin Fotografia: Vadim Yusov Montagem: Lyudmila Feiginova País de origem: União Soviética Ano de lançamento: 1972 Duração: 166 minutos Gênero: Drama, Ficção Científica Prêmios e Reconhecimento: Festival de Cannes (1972): Prêmio Especial do Júri e Prêmio FIPRESCI Indicado à Palma de Ouro

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

A batalha ideológica entre a utopia e o pragmatismo numa Magalópolis

O amanhã é o tema central de Megalópolis(2024), de Francis Ford Coppola, uma obra ambiciosa e multifacetada, que mergulha em diversos temas profundos e provocativos com um debate sobre o futuro e o tempo para construção de uma terra de justiça e vida longa para todos, a partir da metáfora de uma Nova Roma que é Nova York. O conflito central gira em torno de dois personagens: Cesar Catilina (Adam Driver), um urbanista visionário que sonha com uma cidade utópica, e o prefeito Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito), um político pragmático e conservador, que defende a manutenção da ordem existente, com preservação das suas instâncias de poder. A obra reflete a disputa entre o idealismo transformador e conservadorismo institucional, através de debates sobre o papel da política, da economia e das pessoas como agentes na construção do futuro. Tudo acontece em uma Nova York futurista, agora rebatizada de Nova Roma, onde um visionário arquiteto sonha em reconstruir a cidade como uma utopia autossustentável, utilizando um material revolucionário que ele próprio desenvolveu, o megalon. Seu projeto, chamado Megalopolis, propõe uma metrópole orgânica, integrada à natureza e ao bem-estar coletivo para a sua população. Os seus planos entram em conflito com o do prefeito local, um político conservador que defende a manutenção da ordem tradicional e teme mudanças que por certo poderiam gerar o colapso das estruturas de poder ou prejuízos aos grupos econômicos. À medida que os dois se enfrentam, a cidade se torna palco de uma batalha ideológica entre utopia e pragmatismo, arte e política, liberdade e controle social, enquanto a filha do político se apaixona pelo arquiteto, com quem acaba tendo um filho. Com elementos de tragédia shakespeariana, inclusive o ser ou não ser de Hamlet, além de alegorias romanas que aparecem em citações profusas, bem como no nome latino personagens como César Catilina, Cícero, Crasso, Júlia e uma refinada crítica social contemporânea, Megalopolis é uma fábula épica, com ares de tragédia, com questioinamentos sobre o futuro das cidades, o papel do poder e os limites da imaginação humana. César diz num determinado momento, que o ser humano com toda a sua complexidade é um grande milagre, uma criatura viva para todos admirarem, pois foi criado do mesmo material com o qual são feitos os sonhos. No final, ele abre os portões da cidade fazendo com que o mundo mudasse para sempre, e recebendo de herança no testamnento do banqueiro Crasso, uma fortuna para viabilizar o seu sonho construtivista. O foco na reinvenção urbana e sustentabilidade é inspirado em projetos reais como os do arquiteto barasileiro, Jaime Lerner, em Curitiba, que também foi prefeito daquela cidade. Em essência, o filme que custou cerca de US$ 136 milhões, propõe uma nova forma de pensar as cidade mais humanas, sustentáveis e integradas com a natureza. A fictícia da Nova Roma serve como palco utópico para discutir planejamento urbano, coleta seletiva, saneamento básico, lazer, tecnologia e até mesmo o controle social. O próprio Coppola afirmou que Megalopolis é uma metáfora de sua própria trajetória no cinema, com ele se colocando de forma utópica e com sacrifício financeiro como um artista que luta contra o sistema para realizar sua visão para construção de um mundo melhor. O filme coloca ao espectador o sacrifício pessoal, a resistência criativa e o conflito entre arte e indústria, especialmente em um cenário dominado por franquias e fórmulas comerciais numa sociedade mercantilista. Com muitas citações de clássicos e de referências à Roma Antiga e à filosofia, com personagens que evocam figuras históricas de Roma, o roteiro que foi assinado pelo diretor Francis Ford Copolla explora questões como virtù, fortuna, corrupção, ética pública e a manipulação da verdade — temas caros à tradição maquiavélica. O próprio lançamento do filme financiado pelo cineasta e rejeitado por estúdio é uma crítica à mercantilização da arte e à falta de espaço para obras autorais. Há também quem considere criticamente que o filme se posiciona contra o “panem et circenses” contemporâneo, com questionamento ao entretenimento raso, repetitivo e voltado apenas ao lucro. A Nova Roma é uma cidade fictícia onde se passa a trama, funciona como uma metrópole que mistura elementos clássicos da arquitetura romana com corridas de bigas e lutas de gladiadores em contraponto com arquitetura futurista. Já a metáfora de Roma envolve a decadência das instituições, com estátuas romanas gigantes ruindo, placas com a palavra LEX (lei) se quebrando, a decadência de famílias e como em Maquiavel, que aborda a questão da repetição histórica, a política romana serve de modelo para entender os ciclos de poder e corrupção, o que envolve o pão, o circo, além das saturnálias com seu tom carnavalesco marcando o fim de um ano agrário e religioso com jeito carnavalesco. Megalópolis também envolve o teatro político entre suas sequências, com os debates entre personagens ocorrendo como em uma tribuna romana, com pompa e teatralidade, evocando o Senado e os jogos de retórica da Roma Antiga. Já o personagem, Cesar Catilina, se mostra capaz de manipular o tempo, parando literalmente a queda de um prédio durante uma implosão para poder contemplar a cena. O tempo em termos do arco de passado, presente e futuro no filme é também uma metáfora de controle sobre o destino e a política, pois, quem quem domina o tempo, domina a narrativa histórica. Isso também envolve a suspensão da própria realidade, uma vez que Coppola brinca com o tempo cinematográfico para sugerir que a utopia exige romper com o presente. Para completar, esse tempo também séria elemento de memória e futuro, uma vez que o tempo é tensionado entre o peso do passado romano e a promessa de uma cidade ideal. Para complementar a compreensão do filme, o “megalon”, material inventado por Catilina, é orgânico, adaptável e revolucionário. Ele seria uma metáfora de transformação social e urbanística, deixando antever que uma cidade pode ser reconstruída com novos materiais, valores e estruturas. Já em termos políticos, o material se funde ao ambiente como o poder deveria se fundir às necessidades do povo. Como utopia. o megalon é a matéria da imaginação e de uma cidade que ainda não existe. O filme é também embute uma crítica à teatralidade da política moderna e à demagogia populista, em que os líderes fingem romper com o sistema, mas o reforçam, utilizando-o em benefício próprio. Ha ainda referencias a atentados, mortes, traições conjugais e sucessão nas instâncias de poder político e econômico regado a drogas e sexo.Na outra ponta, fica o alerta para os riscos da falência da democracia quando uma população, desamparada, aceita figuras autoritárias como solução dos problemas coletivos. Além das referências explícitas à Roma Antiga, Megalópolis, que custou cerca de R$ 136 milhões gerando uma receita de apenas US$ 13 milhões aos seus produtores, inclui referências filosóficas a Maquiavel, e ao pensamento de Spinoza e Nietzsche, sugerindo que a política é cíclica e que os dilemas humanos se repetem. O filme propõe uma reflexão sobre a natureza humana, a virtù (conceito teorizado por Maquiavel englobando uma ampla coleção de traços necessários ao líder para manutençãp do estado e a realização dos grandes feitos), e o papel do indivíduo na transformação social. Deixa ainda um alerta de que os Estados Unidos acabou como mestre do mundo conhecido e que às vezes, é preciso um leve empurrão para derrubar uma república ou melhor, um império. (Kleber Torres) Ficha Técnica Título original Megalopolis Direção Francis Ford Coppola Roteiro Francis Ford Coppola Elenco Adam Driver, Giancarlo Esposito, Nathalie Emmanuel,Aubrey Plaza, Shia LaBeouf, Jon Voight, Laurence Fishburne, Dustin Hofmann, Talia Shire, Jason Schwartzman e Kathryn Hunt Música Osvaldo Golijov Cinematografia: Mihai Mălaimare Jr. Edição Cam McLauchlin, Glen Scantlebury Gênero Drama, Ficção Científica Duração 138 minutos País de origem Estados Unidos Idioma Inglês Lançamento 16 de maio de 2024 (Festival de Cannes) / 27 de setembro de 2024 (EUA) Distribuição Lionsgate Films Companhias produtoras American Zoetrope, Caesar Film LLC Orçamento US$ 120–136 milhões Receita US$ 13,9 milhões

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Uma viagem muito além das estradas do mundo e da vida

A maior ousadia do filme na Estrada baseado no romance On the Road, de Jack Kerouac, é justamente tentar adaptar um dos romances mais emblemáticos da literatura beat e considerado uma obra infilmável pela própria estrutura complexa da obra. O livro que serviu de base para o roteiro de José Rivera foi escrito num estilo de fluxo de consciência e com estrutura fragmentada a partir das ideias dos personagens, o que dificulta a sua transposição para o universo cinematográfico, mesmo assim o diretor Walter Moreira Salles, optou por uma abordagem sensível e respeitosa, buscando preservar o espírito errante, contestatório e existencial da obra original, que foi um marco da geração beat e considerada um ícone da contracultura ao retratar a viagem no sentido mais amplo de dois amigos através dos Estados Unidos em busca da liberdade e de novas experiências existenciais. Em termos de estética, linguagem cinematográfica e visualmente o filme é deslumbrante. A fotografia de Eric Gautier capta com lirismo as paisagens norte-americanas, reforçando o sentimento de deslocamento e busca dos personagens. A trilha sonora de Gustavo Santaolalla, com forte influência do jazz e do blues, ajuda a traduzir o ritmo literário e temporal de Kerouac para o cinema. Apesar da beleza visual e da sua plasticidade, o filme enfrenta dificuldades em capturar a profundidade emocional e o fluxo interno do que passa na cabeça dos personagen deixando a narrativa, por vezes, episódica e aparentemente desconectada, o que pode dificultar o envolvimento do espectador com os personagens. Ele descreve bem a geração beat retratada Sam Riley (Sal Paradise), um jovem escritor que tenta decolar no mundo literário e ao mesmo tempo atua de forma mais contida, refletindo o papel de observador do protagonista, que é em realidade um alter ego de Jack Kerouac. Já Garrett Hedlund (Dean Moriarty) , que na vida real seria Neal Cassidy, considerado uma das figuras centrais da Beat Generation dos anos 1950 , influenciando a contracultura e o movimento psicodélico, tem papel de destaque no filme. Na vida real ele também escreveu O primeiro terço e influenciou obras como Uivo, de Allan Ginsberg, que aparece no filme interpretado por Tom Sturridge, enquanto Kristen Stewart surpreende como Marylou, trazendo sensualidade num triângulo amoroso e vulnerabilidade ao papel. Em essência, o filme aborda temas como liberdade, rebeldia, insatisfação, sexualidade e o vazio existencial da juventude do pós-guerra, sem perspectivas para o amanhã. No entanto, ao condensar o livro, o roteiro deixa de lado muitos momentos de introspecção e crítica social. Na Estrada é uma obra visualmente rica e emocionalmente sincera, mas que não consegue traduzir por completo a intensidade e o caos criativo do livro de Kerouac, marcado pela rebeldia. Ainda assim, é um filme que merece ser visto — não como substituto da obra literária, mas como uma homenagem cinematográfica à inquietação de uma geração que influenciou a contracultura e ao movimento hippie dos anos 60. Enquanto o livro é profundamente introspectivo e baseado em fluxos de consciência. O filme enfrenta o desafio de converter esse processo em imagens na linguagem cinematográfica. A estética polida do filme contrasta com a crueza da literatura de Kerouac. Os bastidores de Na Estrada foram uma verdadeira jornada — quase tão intensa quanto a dos personagens do filme. Walter Salles mergulhou profundamente no universo da geração beat para adaptar o romance de Jack Kerouac com autenticidade e sensibilidade. Antes mesmo das filmagens, Salles refez duas vezes o trajeto original percorrido pelos protagonistas do livro, cruzando os Estados Unidos de costa a costa pela rota 66. Durante essas viagens, ele também gravou um documentário com entrevistas de figuras ligadas à cultura beat, como a poeta Diane di Prima e o escritor Eduardo Bueno. A ideia era captar o espírito da época e entender o que movia aqueles jovens em busca de liberdade e transcendência. Francis Ford Coppola, que detinha os direitos do livro há três décadas, escolheu Salles para dirigir o longa-metragem após assistir Diários de Motocicleta, outro road movie dirigido pelo cineasta brasileiro, que ganhou o Oscar melhor filme internacional em 2025, com Ainda estou aqui . A escolha não foi por acaso: ambos os filmes (Diários e Na Estrada) compartilham o desejo de capturar o movimento, a inquietação e o desejo de transformação. Coppola tentou desenvolver o filme com diferentes roteiristas e diretores, mas esbarrava sempre na estrutura não convencional do romance, cheio de idas e vindas, e na dificuldade de capturar o espírito da geração beat. Em um depoimento a jornalistas, ele chegou a dizer que adaptar o livro foi uma verdadeira dor de cabeça e que chegou pensar em desistir da ideia.(Kleber Torres, com informações complementares do Copilot) Ficha técnica: Título original: On the Road Direção: Walter Salles Roteiro: Jose Rivera Elenco principal: Sam Riley (Sal Paradise), Garrett Hedlund (Dean Moriarty), Kristen Stewart (Marylou), Tom Sturridge (Allan Ginsberg), Bill Lee (William S. Burroughs), Kirsten Dunst, Viggo Mortensen, Amy Adams e Alice Braga Ano de lançamento: 2012 Duração: 139 minutos Gênero: Drama, Aventura Classificação indicativa: 16 anos Países de origem: Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, EUA, França, México, Países Baixos, Reino Unido Produção: Francis Ford Coppola (executiva), Charles Gillibert, Nathanaël Karmitz, Rebecca Yeldham